Corria seus dedos finos,compridos e muito marcados sobre as velhas teclas empoeiradas, sentia em cada nota o cheiro nostálgico de um passado remoto.Aquele velho piano de calda era o que sobrara de um tempo sumptuoso cujo o presente não fazia jus.
Não reconhecia seu lar na casa de repouso.Os sofás uniformes, o tapete manchado sem histórias particulares e os estranhos que a habitavam. Era ali, somente sentada ao banco do piano,que ela sabia ter em mãos a grande e única testemunha de sua vida.
A hora passava ligeira, e o antigo relógio de madeira em cima da lareira parecia não ser seu aliado, 0 passado parecia não ter mais lugar no presente.Com muita tristeza olhou suas mãos, agora enrugadas, e não mais cheias de vida. Levou-
as ao rosto e confirmou sua melancolia.O tempo de fato não lhe fora amigo, mais efêmero que as águas do rio que corria sem muito alarde, e pouco a pouco carregara seu viço.
A imortalidade juvenil havia passado, e o que havia sido construído além de um buraco vazio? A música que fora seu conforto agora se tornara sua punição, a melodia à acusava por sua frivolidade e não havia saída.Hoje mais do que nunca se sentia refém de suas escolhas passadas,aquela que cativava olhares opacos de piedade.
O relógio enfim parou.Suas mãos não mais enrugadas tocavam a madeira nova de seu piano que já não ficava mais em uma sala vazia, estava agora no grande teatro e os aplausos eram infinitos. A chegada do fim a tornara para sempre imortal.