
Ainda chocada com o ocorrido me dirigi até o interfone, perguntei ao porteiro se havia passado alguém por ali mais cedo, o pobre infeliz assustado com minha pergunta ríspida e meu tom esbaforido, respondeu que não se recordava de ter visto ninguém além dos moradores.
Resolvi então que precisava tirar isso da cabeça, então logo me sentei em frente da televisão para assistir as notícias.Ao fim da reportagem sobre os efeitos da nova crise, o âncora anunciou um crime bárbaro ocorrido na noite anterior, envolvendo a imitação ou como dito por ela, a "sátira" de uma obra de arte.
O crime parecia retratar O Esqueleto Pintor -1896/97 de James Ensor , havia um corpo apoiado em um cavalete principal e outro jogado a sua frente como o modelo. Apesar do notável horror da obra havia uma certa beleza, os detalhes eram tão fiéis a obra original,e eu como dona de um atelier de arte garanto que minhas críticas são de fato bastante precisas neste aspecto,chegava a ser assustadora a maneira como a alma de James Ensor , com toda sua marginalidade e solidão tivesse sido retratada no sangue jorrado.
A arte é apenas o grande espelho da sociedade, através dela interpretamos pensamentos, comportamentos e os desejos mais sórdidos de cada período que vivemos, e isso agora me intriga. Será essa a forma pela qual as pessoas se interessam por algo além do seu próprio mundo hoje? A brutalidade é o único sentimento que nossa sociedade capta?
Parece-me que neste mundo não há mais lugar para subjetividade, não há mais ser algum sensível o bastante que seja capaz de interpretar sentimentos, há que ser escancarado para ser compreendido. Frases feitas e sutis não convidam ninguém a pensar, experimente ao contrário, diga-lhe que sua morte não basta de um ritual orgânico do qual todos estamos submetidos, um caixão frio e sem cor será seu único destino, não há nada do outro lado a não ser um vazio. Uma grande ironia, um vazio tão cheio de supérfluos materiais que te alimentaram tanto tempo.